A Tradição Evangélica (Texto brilhante de John Stott)
Publicado: 27/04/2012 em Espiritualidade, Evangélicos, Fé, Fruto do Espírito, Glória de Deus, Graça,Heresias, História da Igreja, Igreja dos nossos dias, Literatura
Tags:cristianismo, de cristo
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Devemos nos chamar de
“evangélicos” ou não? Dentro dos debates que tenho visto e vivido sobre se um
cristão assumir a terminologia “evangélico” faz dele um religioso vazio e
distante do Evangelho de Cristo, um mau fariseu (para não ser generalista e
injusto com os bons fariseus, como Paulo e Gamaliel), um legalista etc,
reproduzo abaixo um magnífico texto escrito pelo reverendo John Stott a esse
respeito. Sugiro que você leia, reflita, dispa-se dos preconceitos e jargões e
deleite-se nas reflexões desse que é considerado um dos maiores teólogos das
últimas décadas – até seu falecimento recente. Segue o que o saudoso Pastor
Stott falou sobre denominar-se ou não “evangélico”, a partir da perspectiva
correta: a bíblica e histórica. É uma análise curta, porém magnífica, do
significado desse conceito, sem a influência que nós, brasileiros, recebemos do
mau exemplo de um punhado de maus líderes e igrejas que se chamam “evangélicas”
mas que praticam e pregam barbaridades do ponto de vista bíblico. Ouçamos então
essa voz que tanto edificou os cristãos dos séculos 20 e 21 com seu
conhecimento sobre as coisas de Deus.
(Agradeço
ao irmão João Paulo Silva, que me encaminhou o texto).
A Tradição Evangélica
John Stott
John Stott
Gostaria de argumentar, embora
corra o risco de simplificar em demasia e de ser acusado de arrogante, que a fé
evangélica não é outra senão a fé cristã histórica. O cristão evangélico não é
aquele que diverge, mas que busca ser leal em sua procura pela graça de Deus, a
fim de ser fiel à revelação que Deus fez de si mesmo em Cristo e nas
Escrituras.
A fé evangélica não é uma
visão peculiar ou esotérica da fé cristã – ela é a fé cristã. Não é uma
inovação recente. A fé evangélica é o cristianismo original, bíblico e
apostólico. A marca dos evangélicos não é tanto um conjunto impecável de
palavras quanto um espírito submisso, a saber, a resolução a priori de crer e
de obedecer ao que quer que seja que as Escrituras ensinem.
Eles estão, de antemão,
comprometidos com as Escrituras, independentemente do que se possa descobrir
que elas digam. Eles afirmam não ter liberdade para lançar seus próprios termos
para sua crença e comportamento. Percebem essa perspectiva de humildade e de
obediência como uma implicação essencial do senhorio de Cristo sobre eles.
As tradições católica e
liberal tendem a exaltar a inteligência e a bondade humana e, portanto, esperam
que os seres humanos contribuam de alguma forma para a iluminação e salvação
deles mesmos. Os evangélicos, de outro lado, embora afirmem veementemente a
imagem divina que a nossa humanidade carrega, têm a tendência de enfatizar
nossa finitude humana e queda e, portanto, de insistir que sem a revelação não
podemos conhecer Deus e sem a redenção não podemos alcançá-lo.
Essa é a
razão pela qual os aspectos essenciais do evangelho focam a Bíblia e a cruz,
bem como a indispensabilidade delas, uma vez que foi por meio delas que a
Palavra de Deus nos foi comunicada e que a obra de Deus em favor de nós foi
realizada. Na verdade, sua gra
ça apresenta a forma trinitária.
Primeiro, Deus tomou a iniciativa em ambas as esferas, ensinando-nos o que não
poderíamos saber de outra forma, bem como dando-nos o que não poderia nos ser
dado de outra maneira. Segundo, em ambas as esferas o Filho desempenha um papel
singular, como o único mediador por meio de quem a iniciativa do Pai foi
tomada. Ele é a Palavra que se fez carne, por meio de quem a glória do Pai foi
manifestada. Ele é o imaculado que se tornou pecado por nós para que o Pai pudesse
nos reconciliar com ele mesmo.
Além disso, a Palavra de Deus
falada por meio de Cristo e a obra de Deus realizada por intermédio de Cristo
eram ambas hapax , completadas de uma vez por todas. Nada pode ser acrescentado
a nenhuma delas, sem que com isso se deprecie a perfeição da palavra e da obra
de Deus realizada por meio de Cristo. Depois, em terceiro lugar, tanto na
revelação quanto na redenção, o ministério do Espírito Santo é essencial. É ele
que ilumina nossa mente para compreender o que Deus revelou em Cristo, e é ele
quem move nosso coração para receber o que Deus alcançou por meio de Cristo.
Assim, nessas duas esferas, o
Pai agiu por meio do Filho e continua a agir por meio do Espírito Santo. Os
evangélicos consideram essencial crer não apenas no evangelho revelado na
Bíblia, mas também em toda a revelação da Bíblia; crer não apenas que “Cristo
morreu por nós”, mas também que ele morreu “por nossos pecados” e, de forma que
Deus, em amor santo, pode perdoar os crentes penitentes; crer não apenas que
recebemos o Espírito, mas também que ele faz uma obra sobrenatural em nós, algo
que, de variadas formas, foi retratado no Novo Testamento como “regeneração”,
“ressurreição” e “recriação”.
Eis aqui três aspectos da
iniciativa divina: Deus revelou-se em Cristo e no testemunho bíblico total
sobre Cristo; Deus redimiu o mundo por meio de Cristo e tornou-se pecado e
maldição por nós; e Deus transformou radicalmente os pecadores pela operação
interna de seu Espírito.
A fé evangélica, assim
afirmada, é o cristianismo histórico, maior e trinitário, e não um desvio
excêntrico dele. Pois não vemos a nós mesmos oferecendo um novo cristianismo,
mas chamando a Igreja ao cristianismo original.
Se “evangélico” descreve uma
teologia, essa teologia é a teologia bíblica. Os evangélicos argumentam que são
cristãos bíblicos plenos e que, para ser um cristão bíblico, é necessário ser
cristão evangélico. Explicando dessa forma, isso pode soar como arrogância e
exclusivismo, mas essa é uma crença sincera. Certamente, o desejo sincero dos
evangélicos é não ser um cristão mais ou menos bíblico. A intenção deles não é
ser sectário. Isto é, eles não se apegam a certos princípios apenas para manter
a identidade deles como um “grupo”. Ao contrário, sempre expressaram sua
prontidão para modificar, até mesmo abandonar, quaisquer das crenças que
estimam, ou, se necessário, todas elas, se lhes for demonstrado que não são
bíblicas.
Os evangélicos, portanto,
consideram como a única possível via para a reunião das igrejas a via da
reforma bíblica. De acordo com o ponto de vista deles, a única esperança firme
para as igrejas que desejam se unir é a disposição comum para se sentarem
juntas sob a autoridade da Palavra de Deus, a fim de serem julgadas por ela.
O significado da palavra
“conservador” quando aplicada aos evangélicos, é que nos apegamos veementemente
aos ensinos de Cristo e dos apóstolos, conforme apresentados no Novo
Testamento, e que estamos determinados a “conservar” toda a fé bíblica. Isso
foi o que o apóstolo determinou que Timóteo fizesse: “Guarde o que lhe foi
confiado”, conserve isso, preserve isso, jamais abandone seu apego a isso, nem
deixe que isso caia de suas mãos.
* * *
O R
ev. John Stott , Ministro Anglicano e
escritor, foi ex-Capelão da Rainha da Inglaterra e Reitor Emérito da Paróquia
de All Souls, em Londres. Fonte:
“Cristianismo Autêntico – 968 Textos Selecionados da Obra de John Stott” ,
compilação pelo Bispo aposentado Anglicano Timothy Dudley-Smith (Autor dos dois
volumes já publicados de sua Biografia Autorizada), Vida Acadêmica: São Paulo,
2006, www.editoravida.com.br , www.vidaacademica.net , pp.413-420.
Paz a todos vocês que estão em
Cristo.
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