domingo, 20 de maio de 2012

Predestinação área da Sitematica de Berkof


II. Predestinação
Passando da discussão do decreto divino à da predestinação, continuamos tratando do
mesmo assunto, mas passando do geral para o particular. A Palavra “predestinação” nem sempre
é utilizada no mesmo sentido. Às vezes é empregada simplesmente como sinônimo respeite a
todas as Suas criaturas morais. Mais freqüentemente, porem, denota “o conselho de Deus
concernente aos homens decaídos, incluindo a eleição soberana de uns e a justa reprodução dos
restantes”. Na presente discussão, o termo é utilizado primariamente no ultimo sentido acima,
embora sem excluir totalmente o segundo sentido.
A. A Doutrina da Predestinação na História.
A predestinação não constituiu um importante assunto de discussão na história até o tempo
de Agostinho. Os primeiros pais da igreja, assim chamados, aludem a ela, mas em termos que
fazem pensar que não tinham ainda uma clara concepção do assunto. Em geral a consideravam
como a presciência de Deus com referencia aos atos humanos, baseado na qual Ele determina o
seu destino futuro. Daí, foi possível a Pelágio recorrer a alguns daqueles primeiros pais. “Segundo
Pelágio”,diz Wiggers, “a predeterminação da salvação ou condenação, funda-se na presciência.
Conseqüentemente, ele não admitia uma ‘predestinação absoluta’, mas, em todos os aspectos,
uma ‘predestinação condicional’.”1 A princípio, o próprio Agostinho estava inclinado a esta
maneira de ver, mas uma profunda reflexão sobre o caráter soberano do beneplácito de Deus
levou-o a ver que a predestinação não dependia de modo algum da presciência divina das ações
humanas, mas, antes, era a base da presciência de Deus. A sua apresentação da reprovação não
é tão livre de ambigüidade como devia. Algumas das suas declarações fazem supor que na
predestinação Deus conhece previamente o que Ele mesmo fará, conquanto também possa préconhecer
o que Ele não fará – como no caso de todos os pecados; e fala dos eleitos como objetos
da predestinação, e dos reprovados como objetos da presciência divina.2 Contudo, noutras
passagens, ele falta também dos reprovados da predestinação, de sorte que não pode haver
duvidas de que ele ensinava a dupla predestinação. Entretanto, ele reconhecia a diferença que
existe entre ambas, diferença que consiste em que Deus não predestinou uns para a condenação
e os meios para esta do mesmo modo como predestinou outros para a salvação, e em que a
predestinação para a vida é um ato puramente soberano, ao passo que a predestinação para a
morte eterna é também judicial e leva em conta o pecado do homem.1
O conceito de Agostinho encontrou muita oposição, particularmente na França, onde os
semipelagianos, embora admitindo a necessidade da graça divina para a salvação, reafirmavam a
1 Augustinism and Pelagianism, p. 252
2 Cf. Wiggers, ibid., p. 239; Dijik, Om’t Eeuwig Welbehagen, p.39,40; Polman, De Praedestinatieleer van Augustinus,
Thomas van Aquino, en Calvijin, p. 149s.
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doutrina de uma predestinação baseada na presciência. E os que se incumbiam da defesa de
Agostinho sentiam-se constrangidos a ceder nalguns pontos importantes. Não faziam justiça à
doutrina da dupla predestinação. Somente Gottschalk e alguns dos seus amigos a sustentavam,
mas a sua voz foi logo silenciada, e o semipelagianismo passou a dominar, pelo menos entre os
lideres da igreja. Nos fins da Idade Media, ficou bem evidente que a Igreja Católica Romana
admitiria ampla latitude quanto à doutrina da predestinação. Conquanto os seus mestres
sustentassem que Deus queria a salvação de todos os homens, e não apenas dos eleitos, podiam
igualmente, com Tomaz de Aquino, mover-se na direção do agostinianismo, quanto à
predestinação, ou, com Molina, seguir o curso do semipelagianismo, como melhor lhes parecesse.
Significa que, mesmo no caso daqueles que, como Tomaz de Aquino, criam na dupla e absoluta
predestinação, esta doutrina não podia ser desenvolvida coerentemente e não podia ser posta
como fator determinativo do restante da sua teologia.
Todos os reformadores do século dezesseis defenderam a mais estrita doutrina da
predestinação. Esta afirmação é verdadeira mesmo quanto a Melanchton, em seu período inicial.
Lutero aceitava a doutrina da predestinação, se bem que a convicção de que Deus queria que
todos os homens fossem salvos o levou a enfraquecer um tanto a doutrina da predestinação nos
últimos tempos da sua existência. Ela foi desaparecendo gradativamente da teologia luterana, que
agora a considera, total ou parcialmente (reprovação), como condicional. Calvino sustentou
firmemente a doutrina agostiniana da predestinação dupla e absoluta. Ao mesmo tempo, em sua
defesa da doutrina contra Pighius, deu ênfase ao fato de que o decreto concernente à entrada do
pecado do mundo foi um decreto permissivo, e que o decreto de reprovação deve ter sido
elaborado de maneira que Deus não fosse o autor do pecado, nem responsável por este, de modo
nenhum. As confissões reformadas (calvinistas) são notavelmente coesas na incorporação desta
doutrina, conquanto não a apresentem todas com igual plenitude e precisão. Em conseqüência da
investida arminiana contra a doutrina, os Cânones de Dort contem uma minuciosa exposição dela.
Nas igrejas do tipo arminiano, a doutrina da predestinação foi suplantada pela doutrina da
predestinação condicional.
A partir da época de Schleiermacher, a doutrina da predestinação recebeu formação
inteiramente diversa. A religião foi considerada como um sentimento de dependência absoluta, um
Hinneigung zum Weltall, uma consciência de completa dependência da causalidade própria da
ordem natural, com suas leis invariáveis e suas causas secundárias, que predetermina todas as
resoluções e ações humanas. E a predestinação foi identificada com esta predeterminação feita
pela natureza ou pela conexão causal universal que há no mundo. Não há severidade exagerada
na fulminante acusação feita por Otto a esse conceito: “Não pode haver um produto mais espúrio
da especulação teológica do que este, nem uma falsificação mais fundamental das concepções
religiosas do que esta; e certamente não é conta esse modo de ver que o racionalista se sente em
1 Cf. Dijik, ibid., p. 40; Polman, ibid., p.158
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antagonismo, pois ele próprio é uma peça de sólido racionalismo, mas constitui, ao mesmo tempo,
um completo abandono da verdadeira idéia religiosa de ‘predestinação’.”1 Na teologia modernista,
a doutrina da predestinação não encontra apoio real. Ou é rejeitada ou sofre tal mudança que fica
irreconhecível. G. B. Foster a rotula de determinismo; Macintosh a apresenta como uma
predestinação de todos os homens a se conformarem à imagem de Jesus Cristo; e outros a
reduzem a uma predestinação a certos ofícios ou privilégios.*
Em nossos dias, Barth voltou a dirigir a atenção à doutrina da predestinação, mas sua
elaboração dela nem de longe se relaciona com a de Agostinho e Calvino. Com os reformadores
ele sustenta que esta doutrina acentua a soberana liberdade de Deus em Sua eleição, revelação,
vocação, e assim por diante.2 Ao mesmo tempo, não vê na predestinação uma predeterminada
separação feita entre os homens, e não entende a eleição como uma eleição particular, como a
entendia Calvino. Dá prova disso o que ele diz na página 332 da sua Roemerbrief. Daí dizer
Camfield, em seu Essay in Barthian Theology (Ensaio Sobre a Teologia Bartiana), intitulado:
Revelation and the Holy Spirit (A Revelação e o Espírito Santo): 3 “É preciso salientar que a
predestinação não significa a seleção de certo número de pessoas par a salvação e das restantes
para a condenação, segundo a determinação de uma vontade desconhecida e incognoscível.
Essa idéia não pertence à predestinação própria mente dita”. A predestinação leva o homem a
uma crise, no momento da revelação e da decisão. Ela o condena na relação em que, por
natureza, ele se acha com Deus, como pecador, e nessa relação o rejeita, mas o escolhe na
relação à qual ele é chamado em Cristo, e para a qual ele foi destinado na criação. Se o homem
reage positivamente à revelação de Deus, pela fé, ele é o que Deus tencionava que fosse: um
eleito; mas se reage negativamente, continua sendo um reprovado. Mas, desde que o homem
está sempre em crise, o perdão incondicional e a rejeição completa continuam a aplicar-se
simultaneamente a cada um. Esaú pode tornar-se Jacó, mas Jacó pode tornar a ser Esaú. Diz
McConnachie: “para Barth e, como ele acredita, para Paulo, o indivíduo não é objeto de eleição ou
reprovação, mas é, antes, a arena da eleição ou da reprovação. As duas decisões encontram-se
dentro do mesmo indivíduo, mas, de modo tal que, visto do lado humano, o homem é sempre
reprovado, mas, visto do lado divino, é sempre eleito… A base da eleição é a fé. A base da
reprovação é a falta de fé. Mas, quem Crê? E quem não crê? A fé e a descrença estão fundadas
em Deus. Estamos às portas do mistério”.1
B. Termos Bíblicos para a Predestinação.
Os seguintes termos serão considerados aqui:
1 The Idea of the Holy, p. 90.
* Daí a necessidade de distinguir entre predestinação missiológica (e.g., Israel nacional) e predestinação soteriológica (
Israel espiritual, i.e., todos os salvos). Nota do Tradutor.
2 The Doctrine of the Word of God, p. 168; Roemerbrief ( 2ª ed.), p. 332.
3 p.92
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1. A PALAVRA HEBRAICA yada’ E AS PALAVRAS GREGAS ginoskein, proginoskein, e
prognosis. A palavra yada’ pode significar simplesmente “conhecer” ou “tomar conhecimento” de
alguém ou de alguma coisa, mas também pode ser empregada no sentido mais denso de “tomar
conhecimento de alguém com amoroso cuidado”, ou “fazer de alguém objeto de amoroso cuidado
ou de amor eletivo”. Neste sentido se presta para expressar a idéia de eleição, Gn 18.19; Am 3.2;
Os 13.5. O sentido das palavras proginoskein e prognosis no Novo Testamento não é
determinado pelo uso que delas é feito no grego clássico, mas pelo sentido especial de yada’.
Elas não indicam simples previsão ou presciência intelectual, a mera obtenção de conhecimento
de alguma coisa de antemão, mas, sim, um conhecimento seletivo que toma em consideração
alguém favorecendo-o, e o faz objeto de amor, e, assim, aproxima-se da idéia de
predeterminação, At 2.23 (comp. 4.28); Rm 8.29; 11.2; 1 Pe 1.2. Estas passagens simplesmente
perderão o seu significado, se as palavras forem entendidas apenas no sentido de conhecer
alguém antecipadamente, pois nesse sentido Deus conhece previamente todos os homens. Até os
arminianos se sentem constrangidos a dar às palavras um sentido mais determinativo, a saber,
conhecer previamente alguém com absoluta segurança, num certo estado ou condição. Este
conhecimento prévio inclui a certeza absoluta desse estado futuro e, por essa mesma razão,
chega bem perto da idéia de predestinação. E não somente as duas palavras acima referidas,
mas até mesmo o simples verbo ginoskein tem esse significado específico em alguns casos, 1 Co
8.3; Gl 4.9; 2 Tm 2.19.2
2. A PALAVRA HEBRAICA bachar E AS PALAVRAS GREGA Seklegethai e ekloge. A ênfase
destas palavras recai no elemento de escolha ou seleção do decreto de Deus concernente ao
destino eterno dos pecadores, escolha acompanhada por beneplácito. Elas servem para indicar o
fato de que Deus escolhe certo número de membros da raça humana e os coloca numa relação
especial Consigo mesmo. Às vezes incluem a idéia de um chamamento para a salvação; mas é
um erro pensar, como o fazem alguns, que isto esgota o seu sentido. É mais que evidente que
geralmente se referem a uma eleição anterior e eterna, Rm 9.11; 11.5; Ef 1.4; 2 Ts 2.13.
3. AS PALAVRAS GREGAS proorizein e proorismos. Estas palavras sempre se referem à
predestinação absoluta. Diversamente das outras, estas exigem complemento. Naturalmente
surge a questão: Predeterminados para quê? Estas palavras sempre se referem à
predeterminação do homem para certo fim, e pela Bíblia fica evidente que o fim pode ser bom ou
mau, At 4.28; Ef 1.5. Contudo, o fim a que se referem não é necessariamente o fim último, mas, e
com freqüência, é algum fim dentro do tempo, o qual por sua vez, é um meio para o fim último, At
4.28; Rm 8.29; 1 Co 2.7; Ef 1.5, 11.
1 The Significance of Karl Barth, p. 240, 1.
2 Cf. o artigo de C.W. Hodge sobre”Foreknow, Foreknowledge”(pré-conhecer, Pré-conhecimento, na International
Standard Bible Encyclopaedia.
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4. AS PALAVRAS GREGAS protithenai e prothesis. Nestes vocábulos a atenção é dirigida ao
fato de que Deus põe diante de Si um plano definido ao qual se apega firmemente. Referem-se
claramente ao propósito de Deus, de predestinar certos homens para a salvação, Rm 8.29; 9.11;
Ef 1.9, 11; 2 Tm 1.9.
C. O Autor e os Objetos da Predestinação
1. O AUTOR. Indubitavelmente, o decreto da predestinação é, em todas as suas parte, um
ato concomitante das três pessoas da Trindade, que são uma só em Seu conselho e em Sua
vontade. Mas, na economia da salvação, como nos é revelada na Escritura, o ato soberano de
predestinação é atribuído mais particularmente ao Pai, Jo 17.6, 9; Rm 8.29; Ef 1.4; 1 Pe 1.2.
2. OS OBJETOS DA PREDESTINAÇÃO. Em distinção do decreto geral de Deus, a
predestinação só diz respeito às criaturas racionais de Deus. Mais freqüentemente se refere aos
homens decaídos. Todavia, o termo é empregado num sentido mais amplo, e aqui o utilizamos no
sentido mais abrangente, para incluir todos os objetos da predestinação. Esta inclui as criaturas
racionais, isto é:
a. Todos os homens, bons ou maus. Não meramente como grupos, mas como indivíduos, At
4.28; Rm 8.29, 30; 9.11-13; Ef 1.5, 11.
b. Os anjos, bons e maus. A Bíblia fala não somente de anjos santos, Mc 8.38; Lc 9.26, e de
anjos ímpios, que não conservaram o seu estado original, 2 Pe 2.4; Jd 6; mas também faz
explícita menção de anjos eleitos, 1 Tm 5.21, implicando com isso que também há anjos não
eleitos.Surge naturalmente a questão: Como podemos conceber a predestinação dos anjos? Para
alguns, significa simplesmente que Deus determinou de modo geral que os anjos que
permanecessem santos seriam confirmados num estado de bem-aventurança, ao passo que os
demais estariam perdidos. Mas isto de modo nenhum se harmoniza com a idéia bíblica de
predestinação. Esta na verdade significa que Deus, por razões para Ele suficientes, decretou dar
a um certo número de anjos, em acréscimo à graça de que foram dotados pela criação e que
incluía grande capacidade para permanecerem santos, a graça especial da perseverança; e privar
desta os demais. Há pontos de diferença entre predestinação dos homens e a dos anjos: (1)
Enquanto se pode pensar na predestinação dos homens como infralapsária, a dos anjos só pode
ser entendida como supralapsária. Deus não escolheu certo número de anjos dentre uma multidão
de anjos decaídos. (2) Os anjos não foram eleitos ou predestinados em Cristo como Mediador,
mas, sim, como Chefe, isto é, para estarem em relação ministerial (de serviço) com Ele.
c. Cristo como Mediador. Cristo foi objeto da predestinação no sentido de que: (1) um amor
especial do pai, distinto do Seu usual amor ao Filho, estava sobre Ele, desde toda eternidade, 1
Pe 1.20; 2.4: (2) em Sua qualidade de mediador, Ele era objeto do beneplácito de Deus. 1 Pe 2.4
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(3) como Mediador, Ele foi adornado com a imagem especial de Deus, `a qual os crentes devem
conformar-se, Rm 8.29; e (4) o Reino, com toda a sua glória, e os meios conducentes `a sua
posse, foram ordenados para Ele, para que Ele os passasse aos crentes, Lc 22.29
D. As Partes da Predestinação.
A predestinação inclui duas partes, a saber, eleição e reprovação, a predeterminação tanto
dos bons como dos maus para o seu fim definitivo, e para certos fins próximos, que servem de
instrumentos par o cumprimento do seu destino final.
1. ELEIÇÃO
a. A idéia bíblica da eleição. A Bíblia fala de eleição em mais de um sentido. Há (1) a eleição
de Israel como povo, para privilégios especiais e serviço especial, Dt 4.37; 7.6-8; 10.15; Os 13.5.
(2) A eleição de indivíduos para algum ofício, ou para a realização de algum serviço especial,
como Moisés Ex 3, os sacerdotes, Dt 18.5, os reis, 1 Sm 10.24; Sl 78.70, os profetas, Jr 1.5, e os
apóstolos, Jo 6.70; At 9.15. (3) A eleição de indivíduos para serem filhos de Deus e herdeiros da
glória eterna, Mt 22.14; Rm 11.5; 1 Co 1.27, 28; Ef 1.4; 1 Ts 1.4; 1 Pe 1.2; 2 Pe 1.10. Esta última é
a eleição aqui considerada como parte da predestinação. Pode-se definir como o ato eterno de
Deus pelo qual Ele, em Seu soberano beneplácito, e sem levar em conta nenhum mérito previsto
nos homens, escolhe um certo número deles para receberem a graça especial e a salvação
eterna. Mais resumidamente, pode-se dizer que a eleição é o propósito de Deus, de salvar certos
membros da raça humana, em Jesus Cristo e por meio dele.
b. Características da eleição. As características da eleição e as dos decretos em geral são
idênticas. O decreto da eleição é: (1) Uma expressão da vontade soberana de Deus, do
beneplácito divino. Significa, entre outras coisas, que Cristo como Mediador não é a causa
impulsora, motriz ou meritória da eleição, como alguns têm asseverado.Pode-se-lhe chamar
causa mediata da concretização da eleição, e causa meritória da salvação para a qual os crentes
foram eleitos, mas Ele não é a causa motriz ou meritória da eleição propriamente dita. Isso é
impossível, visto que Ele mesmo é objeto da predestinação e eleição, e porque, quando se
incumbiu da Sua obra mediatória no Conselho de redenção, já fora fixado o número dos que Lhe
foram dados. A eleição precede logicamente ao Conselho de paz. O amor eletivo de Deus
precede ao envio do Seu filho, Jo 3.16; Rm 5.8; 2 Tm 1.9; 1 Jo 4.9. Ao dizer-se que o decreto da
eleição se origina no beneplácito divino, exclui-se também a idéia de que ela é determinada por
alguma coisa existente no homem, como a fé ou as boas obras previstas, Rm 9.11; 2 Tm 1.9. (2)
É imutável e, portanto, torna segura e certa a salvação dos eleitos. Deus executa o decreto da
eleição coma sua própria eficiência, pela obra salvadora que realiza em Jesus Cristo. É Seu
propósito que certos indivíduos creiam e perseverem até o fim, e Ele assegura este resultado pela
obra objetiva de Cristo e pelas operações subjetivas do Espírito Santo, Rm 8.29, 30; 11.29; 2 Tm
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2.19. É o firme fundamento de Deus que permanece, “tendo este selo: o Senhor conhece os que
lhe pertencem”. E, como tal, é fonte de abundante consolação para os crentes. Sua salvação não
depende da sua obediência incerta, mas tem a garantia do propósito imutável de Deus. (3) É
eterna, isto é, desde toda a eternidade. Esta eleição divina jamais deve ser identificada com
alguma seleção temporal, seja para o gozo da graça especial de Deus nesta vida, seja para
privilégios especiais e serviços de responsabilidade, seja para a herança da glória por vir, mas,
antes, deve ser considerada eterna, Rm 8.29, 30; Ef 1.4, 5. (4) É incondicional. A eleição não
depende de modo algum da fé ou das boas obras humanas previstas, como ensinam os
arminianos, mas exclusivamente do soberano beneplácito de Deus, que é também o originador da
fé e das obras, Rm 9.11; At 13.48; 2 Tm 1.9; 1 Pe 1.2. Desde que todos os homens são
pecadores e perderam o direito às bênçãos de Deus, não há base para essa distinção neles; e
desde que até a fé e as obras dos crentes são fruto da graça de Deus, Ef 2.8, 10; 2 Tm 2.21,
mesmo estas, como previstas por Deus, não podem fornecer a referida base. (5) É irresistível.
Não significa que o homem não possa opor-se à sua execução até certo ponto, mas significa, sim,
que a sua oposição não prevalecerá. Tampouco significa que Deus, na execução do Seu decreto,
subjuga de tal modo a vontade humana que seja incoerente com a liberdade da ação humana.
Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influência sobre o espírito humano que o
leva a querer o que Deus quer, Sl 110.3; Fp 2.13. (6) Não merece a acusação de injustiça. O fato
de que Deus favorece alguns e passa por alto outros, não dá direito à acusação de que sobre Ele
pesa a culpa de agir com injustiça. Só podemos falar de injustiça quando uma parte pode
reivindicar algo de outra. Se Deus devesse o perdão do pecado e a vida eterna a todos os
homens seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem,
absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes
da eleição divina. De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem direito de
pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como também devemos admitir que Ele seria
perfeitamente justo, se não salvasse ninguém, Mt 20.14, 15; Rm 9.14, 15.
c. O propósito da eleição. I propósito desta eleição eterna é duplo: (1) O propósito próximo é a
salvação dos eleitos. A palavra de Deus ensina claramente que o homem é escolhido ou eleito
para a salvação, Rm 11.7-11; 2 Ts 2.13. (2) O objetivo final é a glória de Deus. Mesmo a salvação
dos homens está subordinada a esta finalidade. Em Ef 1.6, 12,14 dá-se muita ênfase ao fato de
que a glória de Deus é o supremo propósito da graça da eleição. O evangelho social dos dias
atuais gosta de salientar que o homem é eleito para servir. Na medida em que isto vise negar que
a eleição do homem é para a sua salvação e para a glória de Deus, é claramente contrário à
Escritura. Entretanto, entendida pelo que ela é em si mesma, sem segundas intenções, a idéia de
que os eleitos foram predestinados para servir ou para as boas obras, é inteiramente
escriturística, Ef 2.10; 2 Tm 2.21; mas esta finalidade é subserviente às finalidades já indicadas.
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2. REPROVAÇÃO. Os nossos padrões confessionais não falam somente de eleição, mas
também de reprovação.1* Agostinho ensinou a doutrina da reprovação, bem como a da eleição,
mas essa “dura doutrina” enfrentou muitíssima oposição. Em geral os católicos romanos, e a
grande maioria dos luteranos, arminianos e metodistas, rejeitam esta doutrina em sua forma
absoluta. Se ainda falam de reprovação, é somente de uma reprovação baseada na presciência.
É mais que evidente que Calvino tinha consciência da seriedade desta doutrina, pois fala dela
como um “decretum horribile” (decreto terrível).2 Não obstante, não se sentiu com liberdade para
negar o que ele considerava uma importante verdade da Escritura. Em nossos dias, alguns
eruditos que se arrogam filiação à fé reformada, calvinista, levantam obstáculos a esta doutrina.
Barth ensina uma reprovação que depende da rejeição humana da revelação de Deus em Cristo.
Brunner parece ter um conceito mais bíblico da eleição que Barth, mas rejeita inteiramente a
doutrina da reprovação. Admite que ela se reduz logicamente da doutrina da eleição, mas adverte
contra a direção da lógica humana neste caso, desde que a doutrina da reprovação não é
ensinada na Escritura.1
a. Exposição da doutrina. Pode-se definir a reprovação como o decreto eterno de Deus pelo
qual Ele determinou deixar de aplicar a um certo número de homens as operações da Sua graça
especial, e puni-los por seus pecados, para a manifestação da Sua justiça. Os seguintes pontos
merecem ênfase especial: (1) Há dois elementos na reprovação. Segundo a descrição mais
comum na teologia reformada (calvinista), o decreto da reprovação compreende dois elementos, a
saber, a predestinação, ou determinação de deixar de lado alguns homens; e a condenação (às
vezes chamada pré-condenação) ou determinação de punir os que são deixados de lado – punilos
por seus pecados. Como tal, o decreto incorpora um dúplice propósito: (a) deixar de lado
alguns na dádiva da graça regeneradora e salvadora; e (b) destina-los à desonra e à ira de Deus
pelos seus pecados. A Confissão Belga só menciona o primeiro propósito, mas os Cânones de
Dort mencionam dois. Alguns teólogos reformados gostariam de omiti o segundo elemento do
decreto da reprovação. Dabney prefere considerar a condenação dos ímpios como prevista e
como intencional resultado da sua preterição, privado, assim, a reprovação do seu caráter
positivo; e Dick é de opinião que o decreto para condenar deve ser considerado como um decreto
à parte, e não como parte e não como parte integrante do decreto da reprovação. Parece-nos,
porem, que não temos base para excluir o segundo elemento do decreto da reprovação, nem para
considera-lo um decreto diferente. O lado positivo da reprovação é ensinado com tanta clareza na
Escritura como o oposto da eleição, que não podemos considerá-las como algo puramente
negativo, Rm 9.21, 22; Jd 4. Contudo, devemos notar diversos pontos de distinção entre os dois
elementos do decreto da reprovação: (a) A predestinação é um ato soberano de Deus, um ato dos
Seu puro e simples beneplácito, em que os deméritos do homem não entram em consideração, ao
1 Conf. Belg., Art. XVI; Canons of Dort, I, 15.
* Conf. Presb. (Westminster), III. III, VII. Nota do Tradutor.
2 Inst., III. 23, 7.
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passo que a pré-condenação é um ato judicial, que impõe castigo. Ate os supralapsários se
dispõem a admitir que na condenação o pecado é levado em conta. (b) O motivo da predestinação
é desconhecido para o homem. O pecado não pode ser, pois todos os homens são pecadores.
Podemos dizer apenas que Deus passou por alto alguns por sabias e boas razões, suficientes
para Ele. Por outro lado, o motivo da condenação é conhecido: é o pecado. (c) A preterição é
puramente passiva, um simples deixar de lado, sem nenhuma ação exercida sobre o homem, mas
a condenação é eficiente e positiva. Os são deixados de lado são condenados por causa do seu
pecado. (2) Devemos, porem, estar vigilantes contra a idéia de que, como a eleição e a
reprovação determinam com certeza absoluta o fim para qual o homem é predestinado e os meios
pelos quais esse fim é atingido, também implica que, tanto no caso da reprovação como no da
eleição, Deus faz acontecer, por Sua eficiência pessoal e direta, tudo quanto Ele decretou.
Significa que, conquanto se possa dizer que Deus é o Autor da regeneração, da vocação eficaz,
da fé, da justificação e da santificação dos eleitos e, portanto, mediante Sua ação direta sobre
eles, leva a eleição deles à realização concreta, não se pode dizer que Ele é também o autor da
Queda, da condição iníqua e dos atos pecaminosos dos reprovados, agindo diretamente sobre
eles e, portanto, sendo o responsável direto por isso tudo, efetuando a concretização da
reprovação deles. Sem duvida nenhuma, o decreto de Deus deu certeza à entrada do pecado no
mundo, mas Ele não predestinou alguns para o pecado, como predestinou outros para a
santidade. E, como o santo Deus que é, Ele não pode ser o autor do pecado. A posição que
Calvino toma sobre este ponto é claramente indicada nos seguintes pronunciamentos, que se
acham nos Calvin’s Articles on Predestination (Artigos de Calvino sobre a Predestinação):
“Embora a vontade de Deus seja a suprema e a primeira causa de todas as coisas, e Deus
mantenha o diabo e todos os ímpios sujeitos à Sua vontade, não obstante, Deus não pode ser
denominado causa do pecado, nem autor do mal, e nem esta exposto a nenhuma culpa”.
“Embora o diabo e os reprovados sejam servos e instrumentos de Deus para a execução das
Suas decisões secretas, não obstante, de maneira incompreensível, Deus de tal modo age neles
e por meio deles que não contrai nenhuma mancha da perversão deles, porque utiliza a malicia
deles de maneira justa e reta, para um bom fim, apesar de muitas vezes estar oculta aos nossos
olhos essa maneira”.
“Agem com ignorância e calunia os que dizem que, se todas as coisas sucedem pela vontade
e ordenação de Deus, Ele é o autor do pecado; porque não fazem distinção entre a depravação
dos homens e os desígnios ocultos de Deus”.1 (3) Deve-se notar que aquilo com que Deus
decidiu deixar de lado alguns homens, não é a Sua graça comum, mas a Sua graça regeneradora,
que transforma pecadores em santos. É um erro pensar que, nesta vida, os reprovados estão
inteiramente destituídos do favor de Deus. Deus não limita a distribuição dos dons naturais por
1 Our Faith, p. 32, 33
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causa da eleição. Nem sequer permite que a eleição e a reprovação determinem a medida desses
dons. Muitas vezes os reprovados gozam maior medida das bênçãos naturais da vida que os
eleitos. O que efetivamente distingue estes daqueles é que estes são objeto da graça
regeneradora e salvadora de Deus.
b. Prova da doutrina da reprovação. A doutrina da reprovação decorre naturalmente da lógica
da situação. O decreto da eleição implica inevitavelmente o decreto da reprovação. Se o Deus de
toda a sabedoria, de posse de conhecimento infinito, se propôs eternamente a salvar alguns,
então, ipso facto, também se propôs eternamente a deixar de salvar outros. Se Ele escolheu ou
elegeu alguns, então, por esse mesmo fato, rejeitou outros. Brunner se precavém contra este
argumento, desde que a Bíblia não diz uma só palavra com vistas a ensinar uma predestinação
divina para a rejeição. Mas nos parece que a Bíblia não contradiz, antes justifica a lógica em
questão. Visto que a Bíblia é, primordialmente, uma revelação da redenção, naturalmente não tem
tanto que dizer da reprovação como o tem da eleição. Mas o que ela diz é deveras suficiente, cf.
Mt 11.25, 26; Rm 9.13, 17, 18, 21, 22; 11.7; Jd 4; 1 Pe 2.8.
E. Supra e Infralapsarianismo.
A doutrina da predestinação não tem sido apresentada sempre da mesma forma.
Principalmente desde os dias da Reforma, emergiam gradativamente duas diferentes concepções
que, durante a controvérsia arminiana, foram designadas como Infra e Supralapsarianismo.
Diferenças já existentes foram definidas mais agudamente e foram acentuadas mais
enfaticamente como resultado das discussões teológicas daquele tempo. De acordo com o dr.
Dijik, os dois conceitos em foco eram, na sua forma original, apenas uma diferença de opinião
sobre se a queda do homem também foi incluída no decreto divino. O primeiro pecado do homem,
que constitui sua queda, foi predestinado, ou foi meramente objeto da presciência divina? Em sua
forma original, o supralapsarianismo sustentava a primeira posição acima, e o infralapsarianismo,
a segunda. Neste sentido da palavra, Calvino evidentemente era supralapsário. O
desenvolvimento posterior da diferença entre ambos os conceitos começou com Beza, o sucessor
de Calvino em Genebra. Nesse desenvolvimento, o ponto original em discussão retira-se aos
poucos para os fundos, e outras diferenças são levadas para o primeiro plano, sendo que algumas
delas não passam de diferenças de ênfase. Infralapsários posteriores, como Rivet, Walaus,
Mastricht, Turretino, à Mark e de Moor, admitem que a queda do homem foi incluída no decreto; e
dos supralapsários posteriores, como Beza, Gomarus, Pedro Mártir, Zanchius, Ursinus, Perkins,
Twisse, Trigland, Voetius, Burmannus, Wiotsius e Comrie, ao menos alguns estão prontos a
admitir que, no decreto da reprovação, de algum modo Deus levou em consideração o pecado. O
nosso interesse no momento é pelo supralapsarianismo em sua forma desenvolvida.
1 Citados por Warfield em Studies in Theology, p. 194.
111
1. O PONTO EXATO EM QUESTÃO. É absolutamente essencial ter uma noção correta do
ponto ou dos pontos exatos em questão entre ambos os conceitos.
a. Negativamente, a diferença não está: (1) Nas opiniões divergentes sobre a ordem
cronológica dos decretos divinos. Por todo lado se admite que o decreto de Deus é somente um e
igualmente eterno em todas as suas partes, de modo que é impossível atribuir qualquer sucessão
temporal aos vários elementos que ele inclui. (2) Nalguma diferença essencial sobre se a queda
do homem foi decretada ou se apenas foi o objeto da presciência divina. Este pode ter sido o
ponto de diferença original, como diz o dr. Dijik; mas, certamente, de quem afirma que a Queda
não foi decretada, mas somente prevista por Deus, agora se diria que está seguindo a linha
arminiana, e não a reformada ou calvinista. Tanto os supralapsários admitem que a Queda está
incluída no decreto divino, e que a preterição é um ato da vontade soberana de Deus. (3)
Nalguma diferença essencial sobre ser o decreto relativo ao pecado é permissivo. Há uma
diferença de ênfase sobre o adjetivo qualificativo. Os supralapsários (com poucas exceções) se
dispõem a admitir que o decreto relativo ao pecado é permissivo, mas se apressam a acrescentar
que, não obstante, ele dá certeza da entrada do pecado no mundo. E os infralapsários (com
poucas exceções) admitem que o pecado está incluído no decreto de Deus, mas se apressam a
acrescentar que, naquilo em que o decreto se refere ao pecado, ele é mais permissivo que
positivo. Os primeiros ocasionalmente exageram na ênfase ao elemento positivo do decreto
concernente ao pecado, e assim se expõem à acusação de que fazem de Deus o autor do
pecado. E os últimos às vezes exageram na ênfase ao caráter permissivo do decreto, reduzindo-o
a uma permissão pura e simples, e assim se expõe à acusação de arminianismo. De maneira
geral, porém, os supralapsários repudiam enfaticamente toda interpretação do decreto que faça
de Deus o autor do pecado; e os infralapsários cuidam de indicar explicitamente que o decreto
permissivo de Deus, relativo ao pecado, dá certeza à ocorrência futura do pecado. (4) Nalguma
diferença essencial sobre se o decreto da reprovação leva em conta o pecado. Às vezes o
assunto é apresentado como se Deus destinasse alguns homens para a destruição eterna por um
simples ato da Sua vontade soberana, sem levar em conta os seus pecados; como se, como um
tirano, Ele simplesmente decidisse destruir grande número de Suas criaturas racionais, apenas
para a manifestação das Suas gloriosas virtudes. Mas os supralapsários detestam a idéia de um
Deus tirano, e pelo menos alguns deles afirmam expressamente que, enquanto que a preterição é
um ato da soberana vontade de Deus, o segundo elemento da reprovação, a saber, a
condenação, é um ato de justiça e, certamente, leva em conta o pecado. Isto procede da
suposição de que a preterição precede logicamente ao decreto de criar e permitir a Queda, ao
passo que a condenação vem depois desta. A lógica desta posição pode ser questionada, mas ao
menos mostra que os supralapsários, que a assumem, ensinam que Deus leva em conta o
pecado no decreto da reprovação.
112
b. Positivamente, a diferença tem que ver com: (1) A extensão da predestinação. Os
supralapsários incluem o decreto para criar e permitir a Queda no decreto da predestinação, ao
passo que os infralapsários o associam ao decreto de Deus em geral, e o excluem do decreto
especifico da predestinação. Conforme os primeiros, o homem aparece no decreto da
predestinação, não como criado e decaído, mas como certo de ser criado e cair; enquanto que,
conforme os últimos, o homem aparece no decreto como já criado e decaído. (2) A ordem lógica
dos decretos. A questão é se os decretos para criar e permitir a Queda foram meios para o
decreto da redenção. Os supralapsário partem do pressuposto de que, ao fazer planos, a mente
racional passa do fim para os meios, num movimento retroativo, de sorte que, aquilo que vem
primeiro no designo, vem por ultimo na realização. Daí, estabelecem a seguinte ordem: (a) O
decreto de Deus de glorificar-se e, particular-mente, de engrandecer Sua graça e Sua justiça na
salvação de algumas de Suas criaturas racionais e na perdição de outras, existentes ainda na
mente divina somente como possibilidades. (b) O decreto para criar os assim eleitos e reprovados.
(c) O decreto para permitir-lhes cair. (d) O decreto para justificar os eleitos e condenar os não
eleitos. De outro lado, os infralapsários sugerem uma ordem mais histórica: (a) O decreto para
criar o homem em santidade e bem-aventurança. (b) O decreto para permitir ao homem cair pela
autodeterminação da sua própria vontade. (c) O decreto para salvar certo número de membros
deste conglomerado culposo. (d) O decreto para deixar os restantes em sua autodeterminação no
pecado, e submete-los à justa punição que o seu pecado merece. (3) A extensão do elemento
pessoal da predestinação aos decretos para criar e para permitir a Queda. Segundo os
supralapsários, mesmo no decreto para criar e permitir a Queda, Deus tinha os olhos postos em
Seus eleitos individualmente, de modo que não houve um único momento, no decreto divino, em
que eles não estivessem numa relação especial com Deus como Seus bem-amados. Os
infralapsários, por outro lado, sustentam que este elemento pessoal não apareceu no decreto
senão depois do decreto para criar e permitir a Queda. Nestes mesmos decretos, os eleitos estão
simplesmente incluídos no conjunto geral da humanidade, e não aparecem como objetos
especiais do amor de Deus.
2. A POSIÇÃO SUPRALAPSÁRIA.
a. Argumentos em seu favor: (1) Ela recorre a todas aquelas passagens da Escritura que
salientam a absoluta soberania de Deus, e, mais particularmente, a Sua soberania com relação ao
pecado, como Sl 115.3; Pv 16.4: Is 10.15; 45.9; Jr 18.6; Mt 11.25, 26; 20.15; Rm 9.17, 19-21. Dáse
ênfase especial à figura do oleiro, que se acha em mais de uma dessas passagens. Diz-se que
esta figura não expressa meramente a soberania de Deus em geral, mas, de modo mais
específico, a Sua soberania na determinação da qualidade dos vasos na criação. Quer dizer que,
em Rm 9, Paulo fala de uma perspectiva anterior à criação, idéia favorecida (a) pelo fato de que o
trabalho do oleiro é usado várias vezes na Escritura como figura da criação: e (b) pelo fato de que
o oleiro destina cada vaso a um determinado uso e lhe dá uma qualidade correspondente, o que
113
poderia levar a perguntar, embora sem nenhum direito: Por que me fizeste assim? (2) Chama-se a
atenção para o fato de que algumas passagens da Escritura dão a entender que a obra da
natureza ou da criação em geral foi ordenada de molde a conter já ilustrações da obra da
redenção. Muitas vezes Jesus deriva da natureza as Suas ilustrações, usadas para a elucidação
de questões espirituais, e em Mt 13.35 se nos diz que isso era para cumpriras palavras do
Profeta: “publicarei cousas ocultas desde a criação do mundo”. Comp. Sl 78.2. Entende-se que
essas coisas estavam ocultas na natureza, mas foram trazidas à luz pelos ensinamentos
parabólicos de Jesus. Efésios 3.9 é considerada também uma expressão da idéias de que o
desígnio de Deus na criação do mundo tinha em mira a manifestação da Sua sabedoria, que se
projetaria ma obra redentora neotestamentária. Mas, recorrer a esta passagem parece muito
duvidoso, para dizer o mínimo. (3) A ordem dos decretos aceita pelos supralapsários é
considerada como ideal, e como a mais lógica e a mais uma das duas. Ela exibe com clareza a
ordem racional que existe entre o fim último e os meios intermediários. Portanto, os supralapsários
podem, e os infralapsários não podem dar uma reposta específica à questão – por que Deus
decretou criar o mundo e permitir a Queda. Eles fazem plena justiça à soberania de Deus e evitam
todas as fúteis tentativas de justificar Deus aos olhos dos homens, ao passo que os infralapsários
hesitam, procuram provar a justiça do procedimento de Deus e, todavia, chegam por fim à mesma
conclusão dos supralapsários, a saber, que, em última análise, o decreto para permitir a Queda
soe encontra explicação no soberano beneplácito de Deus.1 A analogia da predestinação dos
anjos parece favorecer a posição supralapsária, pois só se pode compreender em termos
supralapsários. Deus decretou, por motivos suficientes para Ele, conceder a alguns anjos a graça
da perseverança e privar desta os demais: e, com justiça, ligar a isto a confirmação dos primeiros
num estado de glória, e a perdição eterna dos últimos. Significa, pois que o decreto concernente à
queda dos anjos faz parte da predestinação deles. E parece impossível conceber este ponto
doutro modo.
b. Objeções: Apesar das suas pretensões aparentes, não soluciona o problema do pecado.
Fá-lo-ia, se ousasse dizer que Deus decretou introduzir o pecado no mundo por Sua eficiência
pessoal e direta. É verdade que alguns supralapsários apresentam o decreto como a causa
eficiente do pecado, mas, não obstante, não querem que se interprete isso de um modo que faça
de Deus o autor do pecado. A maioria deles não interessa em ir além da declaração de que Deus
quis permitir o pecado. Agora, esta objeção não atinge só os supralapsários, em distinção dos
infralapsários, pois nem estes nem aqueles resolvem o problema. A única diferença é que os
primeiros têm maiores pretensões que os últimos quanto a esta matéria. (2) Segundo as suas
descrições, o homem aparece no decreto divino primeiramente como creabilis et labilis (havendo
certeza do ser criado e de cair). Os objetivos do decreto são, antes de tudo mais, os homens,
considerados como simples possibilidades, como entidades não existentes. Mas,
1 Bavinck, Geref. Dogm. II, p. 400.
114
necessariamente, esse decreto tem um caráter provisório apenas, e tem que vir acompanhado
doutro decreto. Após a eleição e a reprovação desses possíveis homens, segue-se o decreto para
cria-los e permitir-lhes a Queda, e a isto deve seguir-se outro decreto, concernente a esses
homens, cuja criação e queda foram agora determinadas definidamente, a saber, o decreto para
eleger uns e reprovar os restantes dos que agora aparecem no propósito divino como homens
reais. Os supralapsários alegam que esta objeção não é insuperável porque, embora seja
verdade, segundo a sua posição, que a existência dos homens não está ainda determinada
quando eles são eleitos e reprovados, eles existem no pensamento divino. (3) Diz-se que o
supralapsarianismo faz do castigo eterno dos reprovados um objeto da vontade divina no mesmo
sentido e da mesma forma que a salvação dos eleitos: e que faz do pecado, que leva à destruição
eterna, um meio para esse fim, da mesma forma e no mesmo sentido em que a redenção em
Cristo é o meio para a salvação. Se levar isso adiante, de modo coerente, fará de Deus o autor do
pecado. Deve-se notar, porém, que, como regra geral, o supralapsário não apresenta o decreto
desse modo, e afirma explicitamente que o decreto não pode ser interpretado de maneira a fazer
de Deus o autor do pecado. Ele fala de uma predestinação para a graça de Deus em Jesus Cristo,
mas não de uma predestinação para pecar. (4) Objeta-se ainda que o supralapsarianismo torna o
decreto da reprovação tão absoluto como o decreto da eleição. Noutras palavras, que considera a
reprovação, como a eleição, como puro e simples ato do soberano beneplácito de Deus, e não
como um ato de justiça punitiva. Segundo a sua representação, o pecado não entra em
consideração no decreto da reprovação. Mas isso não está bem certo, embora possa ver a
verdade com respeito a alguns supralapsários. Contudo, pode-se dizer em geral que, conquanto
considerem a preterição como um ato do soberano beneplácito de Deus, usualmente consideram
a pré-condenação como um ato da justiça divina que de fato leva em consideração o pecado. E o
próprio infralapsário não pode sustentar a idéia de que a reprovação seja um ato de justiça pura e
simples, contingente do pecado do homem. Em última análise, ele também terá que declarar que
a reprovação é um ato do soberano beneplácito de Deus, se quiser evitar a área arminiana. (5)
Finalmente, dizem os oponentes que não é possível elaborar uma aproveitável doutrina da aliança
da graça e do mediador com base no esquema supralapsário. Tanto a aliança como o Mediador
só podem ser entendidos em termos infralapsários. Alguns supralapsários admitem isso
francamente. Logicamente, o Mediador só aparece no decreto divino depois da entrada do
pecado; e este é o único ponto de vista do qual se pode elaborar a aliança da graça.
Naturalmente, isso tem importante relação com o ministério da palavra.
3. A POSIÇÃO INFRALAPSÁRIA.
a. Argumentos em seu favor: (1) Os infralapsários recorrem mais particularmente às
passagens da Escritura nas quais os objetos da eleição aparecem numa condição de pecado, em
estreita relação com Cristo e como objetos da misericórdia e da graça de Deus, como Mt 11.25,
26; Jo 15.19; Rm 8.28, 30; 9.15, 16; Ef 1.4-12; 2 Tm 1.9. Estas passagens parecem implicar que,
115
no pensamento de Deus, a queda do homem precedeu à eleição de alguns para a salvação. (2)
Eles chamam também a atenção para o fato de que, em sua representação, a ordem dos decretos
divinos é menos filosófica e mais natural que a proposta pelos supralapsários. Está em harmonia
com a ordem histórica da execução dos decretos, que parece refletir a ordem seguida no conselho
eterno de Deus. Exatamente como na execução, assim há uma ordem causal no decreto. Há mais
modéstia em ficar com esta ordem, justamente porque ela reflete a ordem histórica na Escritura e
não pretende solucionar o problema da relação de Deus com o pecado. É considerada menos
ofensiva em sua apresentação da matéria e em muito maior harmonia com as exigências da vida
pratica.1 (3) Apesar de alegarem os supralapsários que a sua elaboração da doutrina dos
decretos é a mais lógica das duas, os infralapsários reivindicam a mesma coisa para a sua
posição. Diz Dabney: “O (esquema) supralapsário, com a pretensão de maiôs simetria, é na
realidade o mais ilógico dos dois”.1 Demonstra-se que o esquema supralapsário é ilógico e que
faz o decreto da eleição e da preterição referir-se a não-entidades, isto é, a homens inexistentes,
exceto como simples possibilidades, mesmo na mente de Deus; inexistente ainda no decreto
divino e, portanto, não vistos como criados, mas somente como criáveis. Ademais se diz que a
elaboração supralapsário é ilógica em que necessariamente separa os dois elementos da
reprovação, colocando a preterição antes da Queda, e a condenação depois. (4) Finalmente,
também se chama a atenção para o fato de que as igrejas reformadas (calvinistas) sempre têm
adotado a posição infralapsária em seus padrões oficiais, embora nunca tenham condenado, e,
sim tenham tolerado sempre a outra posição. Entre os membros do Sínodo de Dort e da
Assembléia de Westminster, havia diversos supralapsários que foram mantidos em alta honra
(sendo que, em ambos os casos, o oficial presidente estava entre eles), mas, tanto nos Cânones
de Dort como na Confissão de Westminster, está expresso o conceito infralapsário.
b.Objeções. Eis algumas das mais importantes objeções levantadas contra o
infralapsarianismo: (1) Ele não dá, nem diz que dá solução ao problema do pecado. Mas esta
afirmação é igualmente verdadeira quanto à outra conceituação, de modo que, numa comparação
de ambas as posições, isto não pode ser bem considerado como uma real objeção, embora às
vezes levanta como tal. O problema da relação de Deus com o pecado é comprovadamente
insolúvel para uma, bem como para outra. (2) Embora o infralapsarianismo possa ser movido pelo
louvável desejo de guardar-se da possibilidade de acusar Deus de ser o autor do pecado, ao fazêlo
corre sempre o perigo de errar e ultrapassar o alvo, e alguns dos seus representantes têm
cometido este erro. Eles são adversos à declaração de que Deus quis o pecado, e a substituem
pela asserção de que Ele o permitiu. Mas então surge a questão quando ao sentido exato dessa
afirmação. Significa que Deus meramente toou conhecimento da entrada do pecado, sem impedilo
de modo algum, de maneira que a Queda foi, na realidade, uma frustração do Seu plano? No
momento em que o infralapsário responder afirmativamente essa pergunta, estará entrando nas
1 Cf. Edwards, Works II, p. 543
116
fileiras dos arminianos. Embora haja alguns que tomaram essa atitude, na maioria os
infralapsários vêem que não podem assumir coerentemente essa posição, mas devem incorporar
a Queda no decreto divino. Eles falam do decreto concernente ao pecado como um decreto
permissivo, mas com o definido entendimento de que este decreto tornou certa a entrada do
pecado no mundo. E se for levantada a questão sobre se Deus decretou permitir o pecado e
assim deu a certeza à sua ocorrência, eles só podem indicar o beneplácito divino como resposta,
e assim concordam perfeitamente com os supralapsários. (3) A mesma tendência de defender
Deus se revela doutro modo e expõe o interessado a um perigo semelhante. O infralapsarianismo
realmente quer explicar a reprovação como um ato da justiça de Deus. Inclina-se a negar explícita
ou implicitamente que se trata de um ato do simples beneplácito de Deus. Isto realmente faz do
decreto da reprovação um decreto condicional, e leva ao redil arminiano. Mas em geral os
infralapsários não querem ensinar um decreto condicional, e se expressam reservadamente sobre
esta matéria. Alguns deles admitem que é um engano considerar a reprovação pura e
simplesmente como um ato da justiça divina. E isso está perfeitamente correto. O pecado não é a
causa última da reprovação, como tampouco a fé e as boas obras são a causa da eleição, pois
todos os homens estão, por natureza, mortos em pecados e delitos. Quando confrontados com o
problema da reprovação, os infralapsários também só podem achar resposta no beneplácito de
Deus. Sua Linguagem pode parecer mais delicada que a dos supralapsários, mas também está
mais sujeita a ser mal entendida, e de toda maneira acaba transmitindo a mesma idéia. (4) A
posição infralapsária não faz justiça à unidade do decreto divino, apresentado os seus diferentes
membros componentes como partes exageradamente desconexas. Primeiro Deus decretou criar o
mundo para a glória do Seu nome, o que significa, entre outras coisas, que Ele determinou que as
Suas criaturas racionais vivessem de acordo com alei divina implantada em seus corações e
louvassem o seu Criador. Depois decretou permitir a Queda, pela qual o pecado entrou no mundo.
Isto parece constituir uma frustração do plano divino original, ou pelo menos uma importante
modificação dele, visto que Deus não mais decreta glorificar-se pela obediência voluntária de
todas as Suas criaturas racionais. Finalmente, seguem-se os decretos da eleição e da reprovação,
que representam apenas uma execução parcial do plano original.
4. Do que foi dito parece seguir-se que não podemos considerar o supra e o
infralapsarianismo como absolutamente antitéticos. Eles tecem considerações sobre o mesmo
mistério, partindo de pontos de vista diferentes, um fixando a atenção na ordem ideal ou
teleológica dos decretos: o outro, na ordem histórica. Até certo ponto eles podem e devem andar
juntos. Ambos acham suporte na Escritura. O supralapsarianismo, nas passagens que acentuam
a soberania de Deus, e o infralapsarianismo, nas que salientam a misericórdia e a justiça de Deus,
em conexão com a eleição e a reprovação. Cada um deles tem algo em seu favor: o primeiro, que
não intenta justificar a Deus, mas simplesmente descansa no soberano e santo beneplácito de
1 Syst. and Polem. Theol., p.233
117
Deus; e o último, que é mais modesto e delicado, e leva em conta as necessidades e exigências
da vida prática. Ambos são necessariamente incoerentes: o primeiro, porque não considera o
pecado como uma progressão, mas tem que considera-lo como um distúrbio da criação e fala de
um decreto permissivo, que dá certeza ao surgimento do pecado. Mas cada um deles também dá
ênfase a um elemento verdadeiro do supralapsarianismo acha-se em sua ênfase ao seguinte: que
o decreto de Deus é uma unidade: que Deus tem um único objetivo final em vista; que em certo
sentido Ele quis o pecado; e que a obra da criação foi imediatamente adaptada à atividade
recriadora de Deus. E o elemento verdadeiro do infralapsarianismo consiste que há uma certa
diversidade nos decretos de Deus; que a criação e a Queda não podem ser consideradas apenas
como meios para um fim, mas também tinham grande significação independente; e que o pecado
não pode ser considerado como um elemento de perturbação do mundo. Com relação ao estudo
deste tema profundo, devemos ver que o nosso entendimento é limitado, e dar-nos conta de que
captamos somente fragmentos da verdade. Os nossos padrões confessionais incorporam a
posição infralapsária, mas não condenam o supralapsarianismo. Percebeu-se que esta
conceituação não é necessariamente incoerente com a teologia reformada (calvinista). E as
conclusões de Utrecht, adotadas em 1908 por nossa igreja,declaram que, conquanto não seja
permissível apresentar o conceito supralapsário como doutrina das igrejas reformadas da
Holanda, tampouco é permissível molestar a quem quer que pessoalmente lhe dê agasalho.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA. 1. É possível uma presciência divina dos eventos que
não esteja baseada no decreto de Deus? 2. Qual o resultado inevitável de basear o decreto de
Deus em Sua presciência, em vez do contrário, Sua presciência no decreto? 3. Como a doutrina
dos decretos difere do fatalismo e do determinismo? 4. O decreto da predestinação exclui
necessariamente a possibilidade de uma oferta universal da salvação? 5. Os decretos da eleição
e da reprovação são igualmente absolutos e incondicionais, ou não? 6. São eles semelhantes
como as causas das quais as ações humanas procedem como efeitos? 7. Como a doutrina da
predestinação se relaciona com a doutrina da soberania divina: - com a doutrina da depravação
total; - coma doutrina da expiação; - com a doutrina da perseverança dos santos? 8. Os
reformados (calvinistas) ensinam que há uma predestinação para pecar?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA. Geref. Dogm. II, p. 347-425; Kuyper, Dict. Dogm., De Deo
III, p. 80-258; Vos, Geref. Dogm. I, p.81-170; Hodge, Syst, Theol. I, p. 535-549; II, p. 313-321;
Shedd, Dogm. Theol. I 393-492; Mastricht, Godgeleerdheit I, p. 670-757; Comrie, em Holtius,
Examen van het Ontwerp van Tolerantie, Samenspraken VI e VII; Turretino, Opera I, p. 279-382;
Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 211-246; Miley, Syst. Theol, II, p. 245-266; Cunningham, Hist,
Theol. II, p.416-489; Wiggers, Augustinianism and Pelagianism, p. 237-254; Girardeau, Calvinism
and Evangelical Arminianism, p. 14-412; ibid., The Will in its Theological Relations; Warfield,
Biblical Doctrines, p. 3-67; ibid., Studies in Theology, p. 117-231; Cole, Calvin’s Calvinism, p. 25-
Igreja Reformada da Holanda. Nota do Tradutor.
118
206; Calvino, Institutes III. Chap. XXI-XXIV; Dijik, De Strijd over Infra-en Supralapsarisme in de
Gereformeerde Kerken van Nederland; ibid, Om’t Eeuwig Welbehagen; Fernhout, De Leer der
Uitverkiezing; Polman, De Praedestinatieleeer van Augustinus, Thomas van Aquino en Calvijn.

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