Medo que se transforma em fé
de Max Lucado
“... viram
Jesus caminhando sobre as águas e se aproximando do barco. Os discípulos
ficaram com medo...” [1]
A fé sempre foi a filha do medo. O medo impulsionou
Pedro para fora do barco. Ele já tinha navegado entre aquelas ondas. Sabia do
que essas tormentas eram capazes. Tinha ouvido outras histórias, visto
naufrágios. Conhecia as viúvas. Ele sabia que a tempestade poderia matar e,
então, sentiu vontade de sair dali.
Durante toda a noite ele quis escapar dali. Por nove
horas, foi arrastado com o barco, lutou com os remos e buscou esperança em cada
sombra que aparecia no horizonte. Estava ensopado até a alma e cansado do
lamento de morte trazido pelo vento.
Olhe para os olhos de Pedro e você não conseguirá
enxergar um homem de convicção.
Procure sua face e não encontrará um semblante forte.
Mais tarde, sim, vai vê-lo com coragem no jardim, testemunhar sua devoção no
Pentecostes e contemplar sua fé nas epístolas.
Mas não nessa noite. Olhe para seus olhos, agora, e
veja o medo; um temor sufocante e trepidante de um homem que não tinha saída.
Mas desse medo nasceria um ato de fé, pois a fé é a
filha do medo.
"O temor do Senhor é o princípio da
sabedoria",[2] escreveu o sábio.
Pedro poderia ter sido a ilustração do sermão acima.
Se Pedro tivesse visto Jesus caminhar sobre as águas
durante um dia calmo e pacífico, você acha que ele teria andado até Jesus?
Nem eu.
Se caso o mar estivesse calmo, sem ondas, como se
fosse um tapete, e a viagem agradável, você acha que Pedro teria implorado para
que Jesus o tirasse dali e o fizesse passear sobre as ondas? Duvido.
Mas, dê a alguém uma opção de escolha entre a morte
certa e uma oportunidade maluca, e verá que a oportunidade sempre será a
escolhida.
Grandes atos de fé raramente nasceram de um
planejamento ou de um cálculo frio.
Não foi a lógica que fez Moisés erguer seu cajado nas
margens do Mar Vermelho.[3]
Não foi uma pesquisa médica que convenceu Naamã a
mergulhar sete vezes no rio.[4]
Não foi o bom senso que fez Paulo abandonar a Lei e
abraçar a graça.[5]
E não foi um comitê secreto que orou numa pequena sala
em Jerusalém para libertar Pedro da prisão.[6] Foi um grupo de crentes
temerosos, desesperados, que se sentiram pressionados contra a parede. Foi uma
igreja sem opções. Uma congregação de joão-ninguéns pedindo por ajuda.
E mais do que nunca eles foram fortes.
No princípio de um ato de fé, há sempre uma semente de
medo.
As biografias de discípulos corajosos sempre iniciam
com capítulos de puro pânico.
Temor da morte, do fracasso, da solidão, de uma vida
vã, de fracassar em conhecer a Deus.
A fé começa quando você vê Deus na montanha, mas você
mesmo está no vale e sabe que está muito fraco para subir. Consegue enxergar o
que está precisando... o que tem... e descobre que o que tem não é suficiente
para realizar qualquer coisa.
Pedro deu o melhor de si. Porém, o seu melhor não era
o bastante.
Moisés tinha um mar em sua frente e um inimigo nas
suas costas. Os israelitas poderiam muito bem nadar ou lutar, mas nenhuma das
opções era o bastante.
Naamã tinha experimentado outros métodos de cura e
consultado adivinhos. Viajar uma longa distância para se meter em um rio de
lama não tem muito sentido quando existem rios cristalinos em seu quintal. Mas,
que opções ele tinha?
Paulo tinha perfeito conhecimento da lei, era mestre
do sistema. Mas um olhar para Deus o convenceu de que sacrifícios e símbolos
não eram o bastante.
A igreja em Jerusalém sabia que não havia esperança de
libertar Pedro da prisão. Eles tinham cristãos que poderiam lutar, mas eram
poucos. Tinham armas, mas não eram potentes. Não precisavam de músculo,
precisavam de milagre.
E Pedro também. Ele estava consciente de dois fatos:
descia cada vez mais enquanto o Senhor Jesus se levantava. E sabia onde queria
estar.
Não há nada errado com essa reação. A fé que se inicia
com o temor terminará mais próxima ao Pai.
Já faz algum tempo que fui para o oeste do Texas falar
no funeral de um grande amigo da família. Ele tinha criado cinco filhos. Um de
seus filhos, Paul, contou uma história sobre uma das mais antigas memórias que
tinha sobre seu pai.
Era primavera lá no Texas, ou seja, a estação dos
tornados. Paul tinha somente três ou quatro anos de idade naquela época, mas se
lembrava claramente do dia em que um tornado atingiu sua pequena cidade.
Seu pai arrastou as crianças para dentro da casa e as
fez deitar no chão, enquanto ele mesmo deitava-se sobre um colchão em cima
deles. Porém, o pai não estava protegido. Paul se lembrou de ter espiado por
debaixo do colchão e visto seu pai de pé ao lado de uma janela aberta,
assistindo a nuvem afunilada sacudir e destruir tudo ao longo da pradaria.
Quando Paul viu seu pai, sabia onde queria estar.
Desvencilhou-se dos braços da mãe, engatinhou para fora do colchão e correu
para abraçar as pernas do pai. — Algo me dizia, continuou Paul — que o lugar
mais seguro para estar quando há uma tormenta era perto do meu pai. Algo havia
dito a mesma coisa para Pedro.
— "Se é o senhor mesmo, Senhor, " — Pedro
disse "mande que eu vá andando em cima da água até onde está."[7]
Pedro não estava testando Jesus; ele estava clamando.
Pisar sobre um mar agitado não é um gesto muito lógico; é um gesto de
desespero.
Pedro agarrou-se na beirada do barco, colocou uma
perna para fora... e depois a outra.
Alguns passos foram dados. Era como se existisse um
caminho de rochas sob seus pés. No final do caminho estava a face luminosa do
amigo que sempre o encorajava.
Nós fazemos a mesma coisa, não é verdade? Chegamos até
Cris-to em horas de grande necessidade. Abandonamos o barco das boas obras.
Descobrimos, assim como Moisés, que a força humana não pode nos salvar. Olhamos
para Deus desesperadamente. Percebemos, assim como Paulo, que todas as boas
obras do mundo são insignificantes quando colocadas diante do único Perfeito.
Descobrimos, como Pedro, que transpor o buraco entre nós e Jesus é uma façanha
muito grande para o nosso pequenino pé. Então, imploramos por ajuda. Ouvimos
sua voz e damos o passo com medo, esperando que nossa pouca fé seja suficiente.
A fé não nasce ao redor de uma mesa de negociações,
onde barganhamos nossos dons em troca da bondade de Deus. A fé não é uma
recompensa dedicada para quem aprendeu melhor a lição. Não é um prêmio dado ao
mais disciplinado. Não é um título herdado pelo mais religioso.
A fé é um mergulho desesperado para fora do barco do
esforço humano, que está naufragando; é uma oração pedindo que Deus esteja lá
para nos resgatar de dentro da água. Paulo escreveu sobre esse tipo de fé na
carta aos Efésios:
"Pois é pela graça de Deus que vocês foram
salvos, por meio da fé que vocês têm. Vocês não salvaram a si mesmos. A
salvação vem de Deus como um dom, e não como o resultado das obras que alguém
fez, para que assim ninguém se orgulhe".[8]
Paulo é bem claro. A força suprema da salvação é a
graça de Deus. Não nossas obras, nem nossos talentos, muito menos nossos sentimentos
e nossa força.
A salvação é a presença repentina e calma de Deus em
meio ao mar agitado de nossas vidas.
Ouvimos sua voz e, então, damos o passo.
Nós, assim como Paulo, estamos cientes de duas coisas:
somos grandes pecadores e precisamos de um grande Salvador.
Nós, assim como Pedro, estamos cientes de dois fatos:
estamos afundando enquanto Deus está se levantando. E assim, começamos a
escalar, deixamos para trás o Titanic da autocorreção e nos firmamos no caminho
sólido da graça de Deus.
E, surpreendentemente, somos capazes de caminhar sobre
as águas. A morte está desarmada, os fracassos são perdoáveis, a vida tem um
propósito real. E Deus não está apenas à nossa vista, mas ao nosso alcance.
Com passos direcionados, porém trêmulos, nos aproximamos
dele. Por um momento de força surpreendente, nós nos firmamos sobre suas
promessas. Não faz sentido sermos capazes de realizar isso. Não pedimos para
sermos dignos de tal dom incrível. Quando as pessoas perguntam como mantemos
nosso equilíbrio durante tempos de tormenta, não nos gabamos. Não nos
vangloriamos. Apontamos, sem nenhuma vergonha, para Aquele que torna tudo isso
possível.
Nossos olhos estão nele.
E assim é como cantamos: "Nem trabalho, nem penar
pode o pecador salvar; só tu podes, bom Jesus, dar-me vida, paz e luz".[9]
Declaramos também: "Em nada ponho a minha fé,
senão na graça de Jesus; no sacrifício remidor, no sangue do bom
Redentor."[10]
E, explicamos: "Foi a graça que ensinou o temor
ao meu coração, e aliviou os meus medos."[11]
Alguns de nós, diferentemente de Pedro, nunca olhamos
para trás.
Outros, assim como Pedro, sentem o vento e se
assustam.[12]
Talvez estejamos enfrentando o vento do orgulho:
"Afinal de contas, eu não sou um pecador tão mau assim. Olhe para o que eu
posso fazer."
Ou pode ser o vento do legalismo: "Eu sei que
Deus está tomando conta de parte disso, mas eu tenho que cuidar do resto."
A maioria de nós, no entanto, encara o vento da
dúvida: "Eu sou muito ruim para Deus me tratar desse jeito. Não mereço ser
resgatado."
E para baixo nós vamos. Com o peso do reboque da
mortalidade, afundamos. Arquejando e nos debatendo, caímos num mundo escuro e
úmido. Abrimos os olhos e vemos somente a escuridão. Tentamos respirar, mas não
existe ar. Batemos mãos e pés para conseguirmos voltar à superfície.
Com as cabeças quase para fora da água, temos de tomar
uma decisão.
Os orgulhosos perguntam: "Devemos esconder nossa
face e nos afogar no orgulho? Ou devemos gritar por ajuda e pegar na mão de
Deus?".
Os legalistas questionam: "Devemos afundar sob o
peso da Lei? Ou devemos abandonar os códigos e implorar por graça?".
Os duvidosos perguntam: "Devemos alimentar nossas
dúvidas com murmurações do tipo, `Eu realmente o desprezei dessa vez?' ou
esperamos que o mesmo Cristo que nos chamou para fora do barco, nos chamará
também para fora do mar?".
Sabemos qual foi a decisão de Pedro.
“... e começou a afundar e gritou: Salve-me,
Senhor!”[13]
“E Jesus imediatamente estendeu a sua mão, e o
segurou...”[14]
Também conhecemos a escolha de um outro marinheiro
numa outra tempestade.
Embora separado por dezessete séculos, esse marinheiro
e Pedro se aproximam muito por várias notáveis semelhanças:
• Ambos ganharam a vida no mar.
• Ambos encontraram o Salvador após uma longa batalha
em meio a tempestade.
• Ambos, temerosos, encontraram o Pai e seguiram-no
com fé.
• Ambos saíram do barco e se tornaram pregadores da
Verdade.
Você conhece a história de Pedro, o primeiro
marinheiro. Deixe-me contar sobre o segundo, cujo nome é John.
Ele serviu nos mares desde que tinha onze anos. Seu
pai, um comandante inglês de navio mercante, no Mediterrâneo, levou-o para o
exterior e treinou-o para uma vida na Marinha Real.
Mas, o que John tinha ganhado em experiência, tinha
perdido em disciplina. Ele desafiava as autoridades, andava com pessoas
erradas, metia-se em caminhos tortuosos. Embora seu treinamento o houvesse
qualificado para servir como um oficial, seu comportamento fez com que ele
fosse punido e rebaixado.
Quando tinha cerca de vinte anos de idade, John viajou
para a África, onde se envolveu com o lucrativo comércio de escravos. Aos vinte
e um anos, ganhava a vida com o Greyhound, um navio negreiro que cruzava o
oceano Atlântico.
John ridicularizava a moral e zombava de assuntos
religiosos. Até fazia piadas sobre um livro que, no final de tudo, remodelaria
sua vida: A imitação de Cristo. Na verdade, ele estava desprezando aquele livro
poucas horas antes do navio entrar no meio de uma grande tempestade.
Naquela noite, o mar agrediu o Greyhound, levando o
navio, em prazo de minutos, para o topo de uma onda e baixando-o de volta para
o fundo das águas.
John foi desperto entre as águas que enchiam sua
cabine. Um lado do Greyhound tinha colidido. Era comum de se esperar que tal
dano teria levado o navio para o fundo em questão de minutos. Porém, o
Greyhound foi carregado como uma carga flutuante e permaneceu na superfície.
John trabalhou durante toda a noite para consertar o
estrago. Por nove horas, ele e os outros marinheiros lutaram para não deixar
que o navio afundasse. Mas ele sabia que era uma causa perdida. Finalmente,
quando as esperanças estavam mais danificadas que a embarcação, ele se atirou
no convés cheio de água salgada e clamou:
— Se isso não funcionar, então que o Senhor tenha
misericórdia de nós.
John não merecia misericórdia, mas mesmo assim a
recebeu. O Greyhound e sua tripulação sobreviveram.
John nunca se esqueceu da misericórdia demonstrada por
Deus naquele dia tempestuoso, em meio ao feroz oceano Atlântico. Ele retornou à
Inglaterra onde se tomou um grande compositor.
Você já ouviu algumas de suas músicas.
Esse traficante de escravos, que se tornou compositor,
era John Newton, o autor de uma das músicas mais famosas mundialmente: Amazing
Grace.
Amazing grace! how sweet the sound,
That saved a wretch like me!
I once was lost, but now am found,
was blind, but now I see.[15]
[Ó Graça maravilhosa! Quão doce o som
Que salvou um desaventurado como eu
Eu estava perdido, mas, agora salvo
Fui cego, mas agora vejo.]
Ao longo de suas composições, ele também se tornou um
poderoso pregador. Por quase 50 anos, encheu os púlpitos e as igrejas com a
história do Salvador que nos encontrou no meio de uma tempestade.
Um ou dois anos antes de sua morte, as pessoas insistiam
para que parasse de pregar por causa de sua visão deficiente.
— O quê??? — e então explicava — O blasfemo africano
também vai parar enquanto puder falar?
Ele não pararia. Não poderia parar. O que tinha
começado com uma oração temerosa resultou numa vida inteira de fé. Durante os
seus últimos anos, alguém lhe perguntou sobre sua saúde. Ele confessou que suas
forças já estavam enfraquecidas.
— Minha memória já quase se foi. — ele disse Mas ainda
me lembro de duas coisas: sou um grande pecador e Jesus é um grande Salvador.
Do que mais precisamos nos lembrar?
Dois marinheiros e dois mares. Duas embarcações em
duas tempestades. Duas orações temerosas em duas vidas de fé. Como união dessas
duas histórias, está o Salvador, um Deus que caminhará através do inferno ou
sobre as águas a fim de estender a mão auxiliadora para um filho que clama por
socorro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário